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21 março 2010

80. Augusta, Angélica e Consolação

Tom Zé jamais perdeu o signo da originalidade, pois, como sempre diz, sabe que "tudo só se acha no passado". Com a tropicália (devoração e aglutinação de elementos diversos e, por vezes conflitantes) como guia, ele tem construído uma obra tão desigual quanto singular e impactante.
O gosto pelo rádio e o estudo de música, no início de sua formação, fazem a obra de Tom Zé deslizar entre o popular e a experimentação: o rural e a cidade impactam e atravessam suas canções: movimentam a voz do sujeito que canta.
Na mesma tradição das urbanas "Parque industrial" e "São São Paulo, meu amor", a canção "Augusta, Angélica e Consolação", faz das referências aos espaços paulistas um elogio à mulher-musa; à musa-mulher. A cidade, sereia com seus encantos de mil e uma possibilidades, seduzem e perturbam o sujeito.
Do disco Todos os olhos (1973), que tem a corajosa capa (sugerida pelo poeta Décio Pignatari) com o close em um ânus (em plena Ditadura Militar), ampliando e ironizando os sentidos da palavra "olho", "Augusta, Angélica e Consolação", de Tom Zé, vira-e-mexe está nos roteiros dos shows do artista.
Um pontual coro de lamentos e ais dá à canção um tom suspirante, de um sujeito que encontrou a Consolação, entre uma amante e outra (Augusta e Angélica). O jogo de personificação sublinha um passeio pelas ruas de São Paulo: a metrópole desvairada.
Há uma sacada genial, sobre os significados dos nomes, do sujeito que, no largo dos aflitos, procura uma estação da luz. O jogo lúdico ajuda este sujeito a cantar as três musas com fina ironia: "porque estava tudo escuro dentro do meu coração", diz.

***

Augusta, Angélica e Consolação
(Tom Zé)

Augusta, graças a Deus,
graças a Deus,
entre você e a Angélica
eu encontrei a Consolação
que veio olhar por mim
e me deu a mão

Augusta, que saudade,
você era vaidosa,
que saudade,
e gastava o meu dinheiro,
que saudade,
com roupas importadas
e outras bobagens.

Angélica, que maldade,
você sempre me deu bolo,
que maldade,
e até andava com a roupa,
que maldade,
cheirando a consultório médico,
Angélica.

Quando eu vi
que o Largo dos Aflitos
não era bastante largo
para caber minha aflição,
eu fui morar na Estação da Luz,
porque estava tudo escuro
dentro do meu coração

Um comentário:

silvenriq disse...

Salve Léo! Depois de Sampa essa é a música mais paulistana que conheço. Não andam com saudade da minha terra não? Fortes abraços pra vocês!