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23 abril 2010

113. Elegia

Poeta inglês do século XVII e assombrado pelas conquistas de seu tempo (as grandes navegações e impressão gráfica, por exemplo), John Donne monta o poema "Elegy XIX: Gonig to bed" condensando significantes do corpo feminino à feitura de uma "encadernação vistosa feita para iletrados".
Na tradução de Augusto de Campos - "Elegia: indo para o leito", recolhida no livro O anticrítico - temos desde a figurativização dos embates dos cavaleiros medievais ("Vem dama, vem, que eu te desafio a paz"); passando pela tensão da não-guerra (não sexo), "Canso-me de esperar se nunca brigo"; até a "hora da cama" - "Arranca esta grinalda armada", "a carne em pé" -, sublinhada pelo discurso amoroso enviesado.
Musicado por Péricles Cavalcanti, um fragmento do poema, exatamente o momento do leito, da posse, ganha moldura melódica que tematiza o movimento acelerado das máquinas de tipografia. O sujeito de "Elegia", na música e no texto, finca sua bandeira no novo império: ela, a dama-noiva.
Os avanços e recuos dão o ritmo do canto de um desejo que, a princípio encoberto pelo "cinto sideral", pulsa instigado pelas engrenagens que fazem o "livro místico": a mulher. O sujeito penetra nos mistérios da América (o continente desconhecido,então).
Extasiado, o sujeito sabe que só a ele é dado ler esta mulher-livro e embrenhar-se nesta mulher-terra.
Caetano Veloso (Cinema transcendental, 1979) e Péricles Cavalcanti (Canções, 1991) gravaram "Elegia" marcando melódica e vocalmente os efeitos estéticos exatos: a aceleração e o tema mecânico das máquinas de impressão e dos navios em partida.
Mais tarde, Simone (Simone Bittencourt de Oliveira, 1995) gravou "Elegia" despida das imagens sonoras de Péricles Cavalcanti, infelizmente, empobrecendo os significados com um acompanhamento passional demais para um sujeito (imperador dos mistérios da dama) em pleno êxtase do vislumbre epifânico.

***

Elegia
(Péricles Cavalcanti/Augusto de Campos)
A partir de um poema de John Donne, poeta
do séc. XVII

Deixa que minha mão errante adentre
Atrás, na frente, em cima, embaixo, entre
Minha América, minha terra à vista
Reino de paz, se um homem só a conquista

Minha mina preciosa, meu império
Feliz de quem penetre o teu mistério
Liberto-me ficando teu escravo
Onde cai minha mão, meu selo gravo
Nudez total, todo prazer provêm do corpo

(Como a alma sem corpo) sem vestes
Como encadernação vistosa
Feita para iletrados, a mulher se enfeita

Mas ela é um livro místico e somente
A alguns a que tal graça se consente
É dado lê-la
Eu sou um que sabe.

Um comentário:

Mariana disse...

Boa Noite Leonardo excelente escolha mas meu computer hoje ta sem som. as suas escolhas me agadam. Muito obrigada