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17 junho 2010

168. Muito pouco

Para Amador Ribeiro Neto

O sujeito das canções de Paulinho Moska estão sempre passeando por paisagens interiores: dentro de si. Há sempre algo que vaza, mina e escorre sem que o sujeito consiga segurar (e nem ao menos saber o que é), daí a melancolia e a tentativa, muitas vezes frustradas, de arranhar o real (Só os reis conhecem o que é o real? Qual o sentido da realidade?). Nessa tentativa, o corpo aparece como templo de inferno e céu.
Moska é um compositor inspirado - no sentido que o termo tem de busca permanente pela palavra certa e que possa traduzir o sentimento exato. As canções de Moska, muitas delas metacanções (ou seja, canções que falam de si: de canções), permitem que o ouvinte percebam o quanto é difícil trabalhar com o simples, com sensações e sabores cotidianos.
"Muito pouco" (Muito pouco, 2010) apresenta, na linha do sujeito inadaptado sugerido acima, o instante em que a dúvida cobre a vida: nada satisfaz, ou parece ter sentido. O muito (a pletora de possibilidades da vida contemporânea, em que as opções de escolha são enormes) é pouco (parecem vazios de significados) e o pouco, por sua vez, é pouco demais.
O sujeito quer (deseja, até impulssionado pelos apelos do universo ao redor) o muito, mas o muito se apresenta vazio (pouco) e o pouco, enfim, é pouco demais. Como resolver a questão? Como achar seu lugar no mundo? A loucura, tematizada na melodia pelas cores fortes dos arranjos do Bajofondo Tango Club, tomam conta do sujeito.
Os marcadores - Pronto; Chega; Veja -, que iniciam as estrofes, tem função importante para mostrar o debater do sujeito diante das coisas que, normais ou anormais, acontecem e exigem dele alguma posição. Pois o tempo não pára e as horas nunca andam para trás. Ele busca um meio termo (uma terceira margem) entre o pouco que já não satisfaz e o muito sem vigor (raso).
"Não é a quantidade que faz a estrutura de um grande amor": não exagerar a dose pode possibilitar viver um grande amor, afinal. O difícil é se equilibrar (saber do que é capaz) e aprender um pouco do muito que a vida traz.

***

Muito Pouco (Moska)

Pronto
Agora que voltou tudo ao normal
Talvez você consiga ser menos rei
E um pouco mais real
Esqueça
As horas nunca andam para trás
Todo dia é dia de aprender um pouco
Do muito que a vida traz

Mas muito pra mim é tão pouco
E pouco é um pouco demais
Viver tá me deixando louco
Não sei mais do que sou capaz
Gritando pra não ficar rouco
Em guerra lutando por paz
Muito pra mim é tão pouco
E pouco eu não quero mais

Chega
Não me condene pelo seu penar
Pesos e medidas não servem
Pra ninguém poder nos comparar
Porque
Eu não pertenço ao mesmo lugar
Em que você se afunda tão raso
Não dá nem pra tentar te salvar

Porque muito pra mim é tão pouco
E pouco é um pouco demais
Viver tá me deixando louco
Não sei mais do que sou capaz
Gritando pra não ficar rouco
Em guerra lutando por paz
Muito pra mim é tão pouco
E pouco eu não quero

Veja
A qualidade está inferior
E não é a quantidade que faz
A estrutura de um grande amor
Simplesmente seja
O que você julgar ser o melhor
Mas lembre-se que tudo que começa com muito
Pode acabar muito pior

Mas muito pra mim é tão pouco
E pouco é um pouco demais
Viver tá me deixando louco
Não sei mais do que sou capaz
Gritando pra não ficar rouco
Em guerra lutando por paz
Muito pra mim é tão pouco
E pouco eu não quero mais
Não quero mais
Não quero mais

2 comentários:

Unknown disse...

Muito ou um Pouco bom o seu blog.
Comentários e histórias de canções é bem interessante.

Parabéns

Anônimo disse...

Adorei a interpretaçao, bem psicanálise. Assisto a performance de Maria Rita e que somam a essa analise.