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22 junho 2010

173. Por isso eu corro demais

Para Eliana Bezerra

Marítmo (1998) - primeiro disco da "trilogia" que tem o mar como tema - é fabuloso: o canto sofisticado de Adriana Calcanhotto, canções que entraram para o imaginário coletivo e arranjos que figurativizam aquilo que é dito (cantado) na mais perfeita tradução.
Ao ritmo do mar (o marítmo do título), com suas voltas e reviravoltas (a vertigem do chão que gira), Calcanhotto une Dorival Caymmi (o tradutor das canções praieiras), Waly Salomão (o poeta arrebatado) e Roberto Carlos (o rei romântico), entre outros, para, pela orla, pela beira, pela areia afora, encher seu canto de som, silêncio e fúria.
A versão de "Por isso eu corro demais", de Roberto Carlos, por exemplo, indicia o trabalho (rigor) estético de Adriana. A canção começa com barulhos do que se imagina ser de trânsito (engarrafamento?), localizando espacialmente o sujeito que canta (a voz da canção) e afirma correr demais para estar ao lado de seu bem: de fato, ele corre para enfeitar sua própria noite na epifania do encontro.
É o correr, a expectativa, o desejo de estar junto, que move o sujeito e o leva a cantar. Afinal, como ele diz: "se você vivesse sempre ao meu lado eu não teria motivo pra correr e devagar eu andaria". Feliz de nós, ouvintes, que podemos nos encantar pelo canto (da falta) do sujeito.
Adriana, ao contrário da versão de Roberto (que desenha um sujeito que, de fato, corre, haja vista o ritmo da canção) investe em um "Q" de sensação de cansaço do sujeito: a melodia é toda lente, assim como a entoação da intérprete que, por vezes, quase fala. Eis a beleza da criação de Calcanhotto: ela dá voz ao estado (de falta; de separação; de distância) interior do sujeito e não ao movimento (desespero) de busca que a letra expressa. Cada canto ilumina determinado aspecto da canção de Roberto Carlos.
O sujeito desenhado por Adriana mira na circularidade ("Eu canto, grito, corro, rio. E nunca chego a ti") da ausência do outro: a sensação de apatia (o constante não estar ao lado: a saudade) leva o sujeito (de Adriana) à quase afazia, enquanto os versos terminados em "ar" (devagar, passar, levar chegar) ampliam o desejo, mas também indiciam a sua não concretude (lança a mensagem para o campo apenas da vontade, para o ar sem chão), pois o sujeito conclui a canção ainda correndo demais. Ele se estranha e canta.
Calcanhotto imprime o perfume da canção pela casa inteira (a pele do sujeito), a fim de apontar a falta que lhe move. Sua voz percorre nossos ouvidos, faz nosso coração disparar, na ânsia de ter este sujeito (que corre demais) ao nosso lado: "para o êxtase asa-delta": e é só deixar a cor tomar conta do ar.

***
Por isso eu corro demais
(Roberto Carlos)

Meu bem qualquer instante
que eu fico sem te ver
aumenta a saudade
que eu sinto de você
então eu corro demais
sofro demais
corro demais só pra te ver meu bem

e você ainda me pede
para não correr assim
meu bem eu não suporto mais
você longe de mim
por isso eu corro demais
sofro demais
corro demais
so pra te ver meu bem

se você está ao meu lado eu só ando devagar
esqueço até de tudo, não vejo o tempo passar
mas se chega a hora de pra casa te levar
corro pra depressa outro dia ver chegar
então eu corro demais
sofro demais
corro demais
só pra te ver meu bem

se você vivesse sempre ao meu lado
eu não teria
motivo pra correr
e devagar eu andaria
eu não corria demais
agora corro demais
corro demais
só pra te ver meu bem

Um comentário:

Eliana disse...

owwww Léo meu amigooo!
Obrigada pela belissima lembrança! bjossssss e muito mais sucesso!!!