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05 novembro 2010

309. Luar do sertão

O sujeito de "Luar do sertão", de Catulo da Paixão Cearense e João Pernambuco, desenha a beleza da paisagem de seu lugar, de sua gente e de sua origem. Sujeito simples, sem grandes ambições materiais, ele canta as coisas mais simples da vida e, por isso, detentoras da felicidade.
Canção do exílio, "Luar do sertão" é o lamento ("Oh que saudade") da distância: do sujeito separado de seu recanto rural, provavelmente por ter sido preciso ir buscar melhores condições financeiras, para o sustento da vida, nos centros econômicos: na cidade.
Fácil de cantar, com versos que contam a trajetória de muitos brasileiros, a canção virou hino deste tipo de migrante. Há uma melancolia, toda humana e sentidamente singela, no canto do sujeito que, em algum lugar da "cidade grande", perdido na noite fria, evoca o deslumbre da lua do sertão, para figurativizar a gênese de sua existência: a lua é canção - canta o sujeito, que retribui com outra canção.
Interpretada em vários momentos de nossa história, por diferentes cantores, a versão de "Luar do sertão" dos irmãos Pena Branca (José Ramiro Sobrinho) e Xavantinho (Ranulfo Ramiro da Silva) tem brilho e calor ímpar.
Aqui, vale trazer um pouco da biografia dos dois para compor a imagem que a canção pede: irmãos, começaram a cantar juntos ainda na infância, na zona rural de Uberlândia (MG), onde trabalhavam na lavoura. A ida para São Paulo, tentar a sorte, foi em 1968, quando conhecem outras duplas caipiras, como Tonico e Tinoco e Milionário e José Rico. O mais é trabalho e história.
"Luar do sertão", que está no disco Ribeirão encheu (1995) é uma toada feita para acalentar a saudade: saudade que significa a sensação de estar envelhecendo longe de "seu lugar". A dicção vocal da dupla tenciona a agonia do sujeito da canção, ainda mais quando lembramos e ligamos a isso a imagem de Pena Branca e Xavantinho, com o sertão na aparência física, cantando na TV, acompanhados da imprescindível viola caipira.
O sujeito, que não se acomoda na cidade, também não define o lugar de onde canta: supomos que seja, exatamente, no entrelugar, no desconforto: é deste lugar que sai o canto: do coração que não encontra pouso fora da terra natal, do sertão, que "está em toda parte", como Riobaldo, personagem de Grande sertão: veredas, aponta.
Por outro lado, é na realidade sertaneja que encontramos a grande síntese da épica-dramática brasileira. Como a professora Walnice Nogueira Galvão escreve, no livro As formas do falso, "o sertão é o núcleo central do país".
A personagem de Guimarães Rosa ainda aponta: “sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier,que venha armado!”.
O sertão é um estado-de-coisas e é consciência-de-si para o sujeito de "Luar do sertão": é a solidão; é a saudade, mas é muito mais que isso. O sertão está incorporado ao ser. O sertão guarda uma mística, nada metafísica, que aniquila todos os dispositivos de interpretação dados pelos centros acadêmicos e econômicos "da cidade". Estar no sertão é estar "no nada que é tudo", pessoano.
Com sua paisagem movediça, o sertão ilude: chama e espanta. O indivíduo cai no mar da abstração: caminha rumo ao infinito, sempre apartado de si, mas, por isso, com um único desejo: morrer abraçado à sua terra - gênese e identificação perdida.

***

Luar do sertão
(Catulo da Paixão Cearense / João Pernambuco)

Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão

Oh, que saudade do luar da minha terra
Lá na serra branquejando
folhas secas pelo chão
Este luar cá na cidade tão escuro
Não tem aquela saudade do luar lá do sertão

Se a lua nasce
por detrás da verde mata
Mas parece um sol de prata
Prateando a solidão
E a gente pega a viola que ponteia
E a canção é a lua cheia
A nos nascer do coração

Não há oh, gente, oh não
Luar como esse do sertão

Coisa mais bela
nesse mundo não existe
Do que ouvir um galo triste
No sertão se faz luar
Parece até que a alma da lua que descansa
Escondida na garganta
Desse galo a soluçar

Não há oh, gente, oh não
Luar como esse do sertão

Ai quem me dera se eu morresse lá na serra
Abraçado à minha terra
E dormindo de uma vez
Ser enterrado numa grota pequenina
onde a tarde a Sururina
Chora a sua viuvez

Não há oh, gente, oh não
Luar como esse do sertão

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